segunda-feira, 4 de setembro de 2017

palavras e imagens, cores e simplicidade


Palavras e imagens
Direção: Fred Schepis (2014)
Com: Juliette Binoche e Clive Owen



Um filme pode ser despretensioso e simples, e ao mesmo tempo abordar temáticas complexas e incitar reflexões. Quanto se consegue equilíbrio e ritmo entre estes aspectos tem-se um filme como “Palavras e imagens”, que consegue em uma narrativa de uma hora e cinquenta e seis minutos falar sobre a riqueza e a incompletude das formas de comunicação e a expressão da humanidade entre... Imagens e palavras.

A tensão e o flerte entre um professor de literatura e uma professora de artes plásticas levanta o problema da importância de uma sobre a outra: qual forma artística é a mais necessária? A mais completa? A mais importante? A mais verdadeira? Como alguém que estuda imagens, foi curioso pensar que nunca concebi uma imagem à parte do meio social no qual ela foi construída; e esse meio envolve, necessariamente, a linguagem, as palavras... Imagens e palavras, para mim, são como parte de uma mesma família, criada por nós, bichos humanos, porque como a Profa. Dina Delsanto (Juliette Binoche) nos lembra, a natureza não nos basta, os instintos não nos explicam em nossa completude... E complexidade.

Mas “Palavras e imagens” mostra outra camada: uma que envolve relações humanas, suas fragilidades, suas limitações e seu poder de regenerar perdas e feridas emocionais. As imagens de Dina Delsanto (Juliette Binoche) traduzem a interrupção de uma carreira bem-sucedida que estava no auge. Quando recebeu o diagnóstico de artrite reumática, a artista plástica, já famosa em Nova York, teve que interromper seu trabalho e aceitar o cargo de professora de artes avançadas na pequena cidade onde vive a família. É neste novo ambiente que Delsanto encontra uma aluna que a motiva... E um professor que a instiga.



É muito bonito ver como Dina reage diante do progresso da doença. Ela sente uma raiva que não permite comodismos ou autopiedade, mas a move em busca de alternativas para continuar pintando:  cadeiras, ganchos, fitas adesivas entre outros objetos são incorporados ao pincel. O jogo de cores em torno da personagem, principalmente nas roupas e nas tintas que usa são um deleite à parte ao expectador.

Já o professor Jack Marcus (Clive Owen) parece uma versão “customizada” de Robin Williams em Sociedade dos Poetas Mortos (1989). Escritor premiado e idolatrado pelos alunos (principalmente os meninos), ganhou a alcunha de “Captain my Captain”, referência clara ao conhecido personagem protagonizado por Williams.

Para quem não lembra, em Sociedade dos Poetas Mortos (Peter Weir, 1989), o jovem Robin Williams interpreta John Keating, um professor de literatura inglesa nem um pouco convencional que vai lecionar numa conservadora escola preparatória de meninos. Propondo metodologias de ensino inovadoras e criando um bom relacionamento com os alunos, Keating convida os mais “audaciosos” da turma a chama-lo de “Captain my Captain”, do poema de Walt Withamn, “Oh, Captain! My captain! ” (1865), em referência à morte de Abraham Lincoln.

Mas as semelhanças com o amado e revolucionário professor param por aí:  a facilidade com que Marcus articula palavras e provoca Delsanto esconde o silêncio da solidão de um homem que não sabe se relacionar com o filho, tem problemas com bebida, não publica há anos e está em vias de ser demitido.


A chegada de Dina à escola chama atenção de Jack, que não faz ideia do quanto a motiva como artista e como pessoa com suas provocações intelectuais. Jack Marcus é um homem cujos problemas com a bebida, com o filho e com suas próprias frustrações não permitem que veja o quanto é capaz de ajudar e inspirar alguém.

Somente após arriscar emprego e vínculos afetivos (inclusive com o próprio filho), Jack se dá conta do quão destrutivos seus atos podem ser. Em uma cena muito bem construída em que volta para casa de ressaca e cheio de arrependimentos, ele corta a mão num gargalo quebrado de garrafa de vodka que estava no topo da pilha da lata de lixo. O sangue goteja em cima do gargalo, como que remetendo às feridas emocionais que ele foi capaz de causar em pessoas que ele ama e a si mesmo.

A leveza e simplicidade ficam por conta do roteiro, que encontrou o “timming” certo para criar momentos cômicos, especialmente nas respostas secas e inesperadas de Delsando aos flertes e provocações de Marcus. Isso aliado a uma feliz sucessão de montagens “plano/contra-plano” resultou em um ritmo de filme vigoroso, cheio de charme, que nos mostra que quando dois universos tão cheios de emoções, perdas e dores se encontram, como Dina e Jack, nada mais em suas vidas será como antes.





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