Palavras e imagens
Direção: Fred Schepis (2014)
Com: Juliette Binoche e Clive Owen
Um filme
pode ser despretensioso e simples, e ao mesmo tempo abordar temáticas complexas
e incitar reflexões. Quanto se consegue equilíbrio e ritmo entre estes aspectos
tem-se um filme como “Palavras e imagens”, que consegue em uma narrativa de uma
hora e cinquenta e seis minutos falar sobre a riqueza e a incompletude das
formas de comunicação e a expressão da humanidade entre... Imagens e palavras.
A tensão e o
flerte entre um professor de literatura e uma professora de artes plásticas
levanta o problema da importância de uma sobre a outra: qual forma artística é a
mais necessária? A mais completa? A mais importante? A mais verdadeira? Como
alguém que estuda imagens, foi curioso pensar que nunca concebi uma imagem à
parte do meio social no qual ela foi construída; e esse meio envolve, necessariamente,
a linguagem, as palavras... Imagens e palavras, para mim, são como parte de uma
mesma família, criada por nós, bichos humanos, porque como a Profa. Dina
Delsanto (Juliette Binoche) nos lembra, a natureza não nos basta, os instintos
não nos explicam em nossa completude... E complexidade.
Mas “Palavras
e imagens” mostra outra camada: uma que envolve relações humanas, suas
fragilidades, suas limitações e seu poder de regenerar perdas e feridas emocionais.
As imagens de Dina Delsanto (Juliette Binoche) traduzem a interrupção de uma
carreira bem-sucedida que estava no auge. Quando recebeu o diagnóstico de artrite
reumática, a artista plástica, já famosa em Nova York, teve que interromper seu
trabalho e aceitar o cargo de professora de artes avançadas na pequena cidade
onde vive a família. É neste novo ambiente que Delsanto encontra uma aluna que
a motiva... E um professor que a instiga.
É muito
bonito ver como Dina reage diante do progresso da doença. Ela sente uma raiva
que não permite comodismos ou autopiedade, mas a move em busca de alternativas
para continuar pintando: cadeiras,
ganchos, fitas adesivas entre outros objetos são incorporados ao pincel. O jogo
de cores em torno da personagem, principalmente nas roupas e nas tintas que usa
são um deleite à parte ao expectador.
Já o
professor Jack Marcus (Clive Owen) parece uma versão “customizada” de Robin
Williams em Sociedade dos Poetas Mortos (1989). Escritor premiado e idolatrado
pelos alunos (principalmente os meninos), ganhou a alcunha de “Captain my
Captain”, referência clara ao conhecido personagem protagonizado por Williams.
Para quem
não lembra, em Sociedade dos Poetas Mortos (Peter Weir, 1989), o jovem Robin Williams
interpreta John Keating, um professor de literatura inglesa nem um pouco
convencional que vai lecionar numa conservadora escola preparatória de meninos.
Propondo metodologias de ensino inovadoras e criando um bom relacionamento com
os alunos, Keating convida os mais “audaciosos” da turma a chama-lo de “Captain
my Captain”, do poema de Walt Withamn, “Oh, Captain! My captain! ” (1865), em
referência à morte de Abraham Lincoln.
Mas as
semelhanças com o amado e revolucionário professor param por aí: a facilidade com que Marcus articula palavras
e provoca Delsanto esconde o silêncio da solidão de um homem que não sabe se
relacionar com o filho, tem problemas com bebida, não publica há anos e está em
vias de ser demitido.
A chegada de
Dina à escola chama atenção de Jack, que não faz ideia do quanto a motiva como
artista e como pessoa com suas provocações intelectuais. Jack Marcus é um homem
cujos problemas com a bebida, com o filho e com suas próprias frustrações não
permitem que veja o quanto é capaz de ajudar e inspirar alguém.
Somente após
arriscar emprego e vínculos afetivos (inclusive com o próprio filho), Jack se
dá conta do quão destrutivos seus atos podem ser. Em uma cena muito bem
construída em que volta para casa de ressaca e cheio de arrependimentos, ele
corta a mão num gargalo quebrado de garrafa de vodka que estava no topo da
pilha da lata de lixo. O sangue goteja em cima do gargalo, como que remetendo
às feridas emocionais que ele foi capaz de causar em pessoas que ele ama e a si
mesmo.
A leveza e
simplicidade ficam por conta do roteiro, que encontrou o “timming” certo para
criar momentos cômicos, especialmente nas respostas secas e inesperadas de
Delsando aos flertes e provocações de Marcus. Isso aliado a uma feliz sucessão
de montagens “plano/contra-plano” resultou em um ritmo de filme vigoroso, cheio
de charme, que nos mostra que quando dois universos tão cheios de emoções,
perdas e dores se encontram, como Dina e Jack, nada mais em suas vidas será
como antes.
Ah, você
pode encontrar Imagens e Palavras na Netflix e no Youtube (completo)