quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Man of Steel: bem vindo de volta, Superman! (parte II)

Direção: Zack Snyder
Roteiro: Christopher Nolan e David S. Goyer
Elenco: Henry Cavill, Amy Adams, Michael Shannon, Kevin Costner, Diane Lane, Laurence Fishburne e Russell Crowe.



Na primeira parte deste post conversamos um pouco sobre o planeta Kripton de Man of Steel que trouxe algumas características novas e bem interessantes, como o militarismo e a reprodução artificial. Começamos a falar também sobre este Superman que nos vem, não tão afável quanto era Christopher Reeve mas passional, altivo e com referências a Jesus Cristo. Segue agora a segunda parte, dando continuidade a este aspecto divino do herói.

[ALERTA DE SPOILER]

  • Um deus do sol, da guerra e do amor


A referência a Jesus Cristo existe em muitas cenas, de maneiras diversas, inclusive na menção da idade de Clark (33 anos) ao se tornar Superman. Mas há uma cena bastante emblemática, em que Lois e Superman estão tentando fugir da nave de Zod com a ajuda do holograma/memória Jor-El.
Lois é cuspida por numa cápsula de fuga em queda livre, rumo à órbita da Terra e, em vias de salvá-la, Kal-El escuta de seu pai biológico: “Queríamos que você soubesse o que significava ser humano primeiro para que, um dia, no momento certo, você pudesse ser a ponte entre dois povos. Você pode salvar todos eles”.

A seguir, Superman sai da nave, em slow motion, para flutuar no espaço com os braços abertos, iluminado pelo sol, à semelhança da imagem do Cristo. Entra música extradiegética [1], que, somada à composição da cena, pareceu Jesus descendo dos céus. Isso me lembra que Superman é considerado um herói solar (ou apolíneo). É um desbravador, um viajante que traz luz e proteção. E que o próprio sol terrestre é causa dos seus poderes extraordinários.


A relação que se reconstruiu entre Zod e Kal-El ficou interessante, pois em Man of Steel Zod matou Jor-El, no entanto, em determinado momento, Zod se torna o único Kryptoniano vivo além do próprio Kal-El. Existe a rivalidade e a disputa de forças, já que Kal-El não apenas não colabora com os planos de Zod, mas se compromete a detê-los. Mas também parece haver em Kal-El o desejo por memórias pertencentes a Zod, de uma história que Superman, mesmo sendo o tema central, não viveu, e pouco conhece (e isso também pode ser uma viagem muito louca minha, não sei).

Zod foi “programado” desde o nascimento para proteger Krypton, daí sua obsessão em colonizar a Terra com matriz genética e repovoar o planeta com novos kryptonianos. Sem um planeta Krypton para proteger, a razão da existência de Zod se extingue, e ele jamais poderia fazer outra coisa porque ele é o que faz e não sabe ser outra coisa.

E aí é possível ver a humanidade naquele que não é humano, mas ama e protege pessoas tanto quanto o melhor de nós. E ele também sente, e chora. E escolheu os homens e o amor de uma mulher em detrimento ao povo de origem, com quem poderia governar a Terra e ser, de fato, um deus.

Superman mata Zod e, dentro do Universo Estendido, é quando ele mata alguém pela primeira vez. Ele mata o assassino de seu pai, mas mata também um Kryptoniano, como ele, e se torna mais órfão do nunca, pois agora tem a certeza de que é o último vivo de sua espécie. E ele grita. E ele chora. Chora nos braços de uma mulher.

Aliás, as mulheres da vida de Superman são um espetáculo à parte: de força e de amor. A começar por Lara, que ousou junto com Jor-El conceber um filho de forma natural, fora dos padrões regulamentados; e que sobreviveu com dignidade à trágica perda do marido e à definitiva despedida do único filho, ainda bebê (ao mesmo tempo...!).

A seguir somos apresentados a Martha, a mãe terrestre amorosa, que mesmo sem saber nada sobre kryptonianos, ensinou Clark a controlar seus poderes, a se concentrar em uma coisa apenas de cada vez... Ela sabia muito sobre amor. E finalmente temos Lois Lane, numa versão mais agradável e menos arrogante. Lois teria sido a primeira humana (com exceção dos pais adotivos de Clark) a acreditar na legitimidade das intenções de Superman em proteger a Terra.

O que decepciona?

Man of Steel é um espetáculo audiovisual extremamente atraente, impressionante e de narrativa bem encadeada.. .Até o fim do segundo ato. 2/3 do filme são incríveis, acompanhados de um terceiro ato (final) morno (ou moroso? Ou os dois? É difícil dizer).

É uma sequência longa e monótona de embates, e Kryptonianos sendo arremessados em prédios, ou arremessando outro Kryptoniano, ou tentando machucar civis... Até finalmente chegarmos ao duelo com Zod, que se resume a mais destruição e... Mais um pouco de coisas sendo arremessadas e destruídas.

O ato final, portanto, decepciona. Temos uma... tentativa, talvez, de recuperar o folego rumando para um fim bacana, mas já tarde demais, na ultima cena, que é pura nostalgia, e inclusive me emocionou, de Clark chegando para o seu primeiro dia do Planeta Diário.


Porém, Contudo, Não obstante, Todavia...

A morosidade do terceiro ato não tira o brilho e a grandiosidade desde filme. Man of Steel nos trouxe um herói digno de dar continuidade ao legado de Christopher Reeve, onde Kal-El, que se torna Superman e também Clark Kent, pôde escolher o caminho de não escolher. Isso porque ele é o deus Kryptoniano e o filho dos Kent, que trabalha no Planeta Diário. Superman é resultado da coexistência de ambos em um único ser. E este foi o legado mais importante deixado por Jor-El.

Kal-El: Por que não vieram comigo?
Jor-El: Não podíamos, Kal.Por mais que nós quiséssemos. Por mais que nós amássemos você. Sua mãe Lara e eu éramos frutos dos fracassos do nosso mundo, assim como Zod era.
Kal-El: Então eu estou sozinho?
Jor-El: Não. Você é uma criança da Terra tanto quanto de Krypton. Pode personificar o melhor dos dois mundos. (...) O símbolo da Casa de El significa "esperança". Essa esperança incorpora a crença fundamental no potencial de cada pessoa em se tornar uma força do bem. É o que você pode dar a eles.




[1] Dizemos que qualquer tipo de som é diegético ou extradiegético quando ele está diretamente inserido na história ou não. Por exemplo, se em um filme o personagem liga o rádio e uma música toca, dizemos que essa música é diegética, mas se uma trilha começa a tocar sem que nenhum personagem tenha feito isso acontecer, então a música é extradiegética, como na referida cena de Man of Steel.



terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Man of Steel: bem-vindo de volta, Superman! (parte I)


Direção: Zack Snyder
Roteiro: Christopher Nolan e David S. Goyer
Elenco: Henry Cavill, Amy Adams, Michael Shannon, Kevin Costner, Diane Lane, Laurence Fishburne e Russell Crowe


Desde que estreou Liga da Justiça (2017) venho pensando esses novos filmes DC, e então me lembrei de Man of Steel (Homem de Aço, 2013) e de como foi esperado, de como vibramos quando saiu o trailer oficial e... De como dividiu opiniões após a estreia.

Man of Steel não é apenas o tão esperado reboot da saga cinematográfica de Superman – ainda mais depois do fiasco de Superman, o Retorno (2006) – , ele também marca o início do Universo Estendido DC, que foi seguido das produções cinematográficas Batman vs Superman: Dawn of Justice (Batman x Superman: O Despertar da Justiça, 2016), Suicide Squad (Esquadrão Suicida, 2016), Wonder Woman (Mulher Maravilha, 2017) e Justice League (Liga da Justiça, 2017). E virá mais...

A impressão geral, ao menos no Brasil, é de que este Superman não atendeu às expectativas. Na realidade, entre críticas especializadas e público, houve quem amou, quem odiou, quem adorou alguns aspectos, mas outros nem tanto... As reações foram das mais diversas. Interessante como adaptações parecem ter essa capacidade de despertar diferentes e contraditórias respostas...

No entanto, a produção fez bons números: nos Estados Unidos arrecadou mais de 628 milhões de dólares. Só no Brasil ultrapassou a marca dos 125 milhões (de dólares!). Considerando que o orçamento foi de U$$ 225 milhões... Não está mal, não é?

Vamos falar um pouco sobre Man of Steel; e sobre este esperado retorno às origens. Esta é a primeira parte do post, que vai falar sobre a reinvenção de Krypton e o perfil deste Superman.


  • Krypton: o planeta do militarismo e da biotecnologia


Man of Steel reconta a origem de Kal –El e nos mostra um planeta Krypton extremamente avançado em tecnologias biológicas e militares, sofrendo ameaças de um golpe pelo oficial superior de Forças Armadas, o implacável General Zod, ao mesmo tempo em que sofre um grave problema de esgotamento de recursos naturais.

Você percebe um lugar um tanto escuro, mas bastante sofisticado e funcional, com uma tecnologia orgânica de ponta (os programas de computador são uma espécie de híbridos, como a base de reprodução kryptoniana, que parece um organismo vivo e autônomo) e grandes animais (alados e terrestres) como meio de transporte, parecidos com dinossauros, ou dragões sem escamas.

Somos então, no primeiro ato do filme, introduzidos a um planeta Krypton com recursos naturais exauridos, em vias de testemunhar a própria extinção e com autoridades políticas alienadas de si mesmas o bastante para decidirem não enxergar as implicações do que está por vir. E não fazer nada.

   

O único a compreender a gravidade da situação foi quem a descobriu: Jor-EL, representante da Casa de El (cujo símbolo estampado no peitoral do uniforme de Superman significa “esperança”).

Jor-EL e a esposa Lara conseguem enviar o bebê Kal-El para a Terra, mas antes de Lara ativar o lançamento da cápsula, Jor-El insere no corpo do filho o material do códex de Krypton, que contém toda a matriz genética do planeta (isso não é spoiler, eu acho; se for é só um pouquinho porque acontece bem no início do filme... né?).

Este ato de Jor-El torna o filho dotado de múltiplas possibilidades. Kal-El já era singular por ter sido o primeiro bebê kryptoniano concebido de forma natural em séculos. Agora ele torna-se também a personificação da ideia de que podemos ser o que quisermos, pois já temos a centelha do que queremos vir a ser. Com Kal-El, é selado o fim do sistema kryptoniano de reprodução programada de acordo com castas até então em vigor.

Man of Steel traz um questionamento interessante, semelhante ao do livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley (1932). Ambos trabalham as consequências da escolha de um povo em investir na reprodução artificial e programada como medida de controle de natalidade e busca de perfeição social, onde cada criança já nascia destinada a uma casta e função específicas.

Fico aqui imaginando: se Krypton era um planeta que valorizava tanto o poder cientifico quanto militar, seria ele uma metáfora da possibilidade de uma "Terra do Futuro"? (com direito a golpe militar e esgotamento de recursos naturais?).


  • Bem-vindo, Superman!

Kal-El na Terra se torna Clark, o filho adotivo de Jonathan e Martha Kent. Entra na vida adulta sem chamar atenções para si, mas as inserções de flashbacks nos mostram as dificuldades em esconder seus poderes e encontrar explicações sobre sua origem. 

E sendo um filme de origem, temos muito de Clark antes de se tornar Superman, viajando anônimo e desaparecendo em meio a ocupações comuns pelas cidades onde chega. As andanças de Clark são suas buscas por si mesmo, por evidências de seu planeta e de seu propósito.


Percebo a construção de um herói mais complexo e com conflitos internos mais bem desenhados. Percebo o herói impulsivo, desde criança manifestando o desejo de ajudar os outros sem importar-se com as consequências de ser exposto (era trabalho de Jonathan Kent lembrar-lhe disso). Mas vejo também o impulso da raiva diante de injustiças; a vontade de revidar, “dar o troco” naquele que o provoca em público gratuitamente. 

Então, já trajado com o uniforme de capa vermelha, ele parece não se preocupar muito com a destruição de toda uma cidade em meio aos (infindáveis...) confrontos com Zod e seus homens. É um traço do Superman que a gente pode verificar em algumas animações da Liga da Justiça e HQs, mas está sendo novidade no cinema.

Nesse ponto ocorre um distanciamento do imortal Superman (1978) personificado em Christopher Reeve, predominantemente doce, afável, equilibrado e sensato, do tipo que resgata o gatinho da vovó de do alto da árvore do quintal. 

Man of Steel traz um Superman mais próximo do deus, e de um deus bem singular, com traços de combate e militarismo kryptonianos e, ao mesmo tempo, imbuído de referências a Jesus Cristo, que é considerado um deus de amor e misericórdia.


(espera só um bocadinho que a parte II desse post vai sair daqui uns dias!)

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Um pouco sobre RITA

                               

Segunda feira, 08 de janeiro de 2018 foi o dia em que (só por dentro, porque eu estava um uma virose do inferno) dei uns 500 pulos de alegria. Minha querida Netflix notificou que a 4ª temporada de RITA vai estrear neste dia 15!
Se você conhece a RITA sabe muito bem o tamanho da minha alegria. Se você (ainda!) não conhece a RITA, deixa eu te falar um pouco sobre ela.

Quem é RITA?

RITA: Série dinamarquesa de  Christian Torpe, protagonizada por Mille Dinesen 

RITA me conquistou logo no piloto. E os motivos são muitos. Ela é linda, independente, inteligente, irreverente, complexa, contraditória, sarcástica, estúpida, imprevisível, corajosa, verdadeira, apaixonante e absurdamente humana.

É professora do Ensino Médio. É mãe divorciada de três filhos (mais conservadores do que ela). Fuma muito. Tem problemas com bebida. E com pessoas. Todas as pessoas que não são seus alunos. 
É a personagem dos sonhos de qualquer roteirista.

Rita e familiares: mãe, filhos e nora

A série dinamarquesa mostra o cotidiano de RITA no trabalho e na família; os desafios que estas duas instituições lhe trazem e as saídas nem um pouco convencionais que ela costuma encontrar. Nesse entremeio, os altos e baixos de sua vida amorosa ganham destaque.

RITA parece uma força da natureza. Ela quebra tudo o que é frágil, mas insiste em existir sem fundamento: padrões, normas, autoridades, hipocrisias, mas também consegue machucar as pessoas que ama quando falha em conter os ímpetos mais egoístas (e autodestrutivos). E isso acaba tornando-a ainda mais envolvente porque mostra que estamos acompanhando a jornada de uma heroína que, acima de tudo, é um ser humano cheio de falhas, e de força.


O que RITA nos traz?

O ambiente de trabalho de RITA é pano de fundo para abordar questões polêmicas de modo realista e sensível: bullying, preconceitos de raças, de condições econômicas, doença mental, aborto, drogas, aborto, relações de poder.

A câmera é ágil, quase na velocidade das falas. Estas por sua vez, são sem precisas. Os movimentos de câmera combinados com a clareza e naturalidade dos diálogos dão o ritmo da série, onde, no fim das contas, nada de muito extraordinário acontece, ao passo que inúmeras pequenas nuances de verdades humanas saltam ao nosso olhar, como tudo o que há de belo e temível nelas.

A luz é fria, mesmo de dia e em externas, o que dialoga com o distanciamento (muitas vezes adicionado de um humor negro) dispensado às questões mais delicadas, como traição ou homofobia. Óbvio (mas ainda assim interessante) que, em consequência, acaba criando compatibilidade com o clima predominante frio da Dinamarca.

Temos, então, uma atmosfera fria, distante e sarcástica entre os personagens que dialoga com o clima frio do lugar com em formato de crônica de costumes, com direito a alfinetadas certeiras, elegantes e providenciais a diversas convenções sociais impregnadas de valores machistas e conservadores.

Uma das críticas dessa natureza, e recorrente nos episódios, é em relação à intensa vida sexual de RITA. À personagem, é natural ir sozinha a um bar e abordar um homem que ela já sabe que não verá novamente. Por isso, a professora é considerada “vadia” por homens que praticam o mesmo hábito, inclusive aqueles que, na intenção de vê-la novamente, não sabem lidar com um ”não, obrigada, foi só essa vez, mesmo”. Rita é uma mulher empoderada, e não permite que ninguém a faça sentir vergonha disso.

Rita e os colegas de trabalho

Os outros personagens são igualmente bem construídos. A professora novata, jovem e idealista Hjørdis, que aos poucos se torna a amiga mais próxima e afetuosa, o diretor Rasmus, cuja inseguranças como profissional e amante criam disparidades diante da personalidade forte de Rita, o colega ex-diretor, de comportamento parecido com o dela, que a provoca e gera uma tensão que é gostosa de acompanhar, todo o casting da produção foi muito bem escolhido e tem sido muito dirigido com muita excelência, inclusive as crianças e adolescentes da escola, cujo desempenho não deve em nada aos mais experientes.

A abertura mostra Rita pegando um longo fio preto de lã e entrelaçando nos dedos das mãos, como numa brincadeira típica de crianças popularmente conhecida como “cama de gato”. A medida que Rita entrelaça os dedos na linha, imagens vão surgindo, representando os aspectos da vida de Rita “entrelaçados”, confundidos, forjados e desfeitos entre sua casa e seu trabalho (tem um caso com o diretor, o filho estuda na escola onde ela trabalha, chegou a se envolver com o pai de uma aluna...), até finalmente o longo fio forma as letras do seu nome.

Abertura de RITA

RITA inspira. É uma produção de dar gosto de assistir e falar sobre. É para deleite de olhos e ouvidos. E boca!

Então espero que você tenha oportunidade de conhecer RITA e, assim como eu, se apaixonar...